sexta-feira, 19 de julho de 2013

Agora são os brasileiros que invadem o Vale do Silício

Em busca de cérebros, fornecedores e até aquisições, uma série de empresas brasileiras de tecnologia inverte o caminho tradicional e abre escritórios no Vale do Silício

Alexandre Dinkelmann, da Totvs

A cada dois meses, o engenheiro Alexandre Dinkelmann, vice-presidente de estratégia e finanças da Totvs, deixa sua rotina de trabalho em São Paulo e parte rumo a Mountain View, a cerca de 50 quilômetros de São Francisco, na Califórnia. Ali se concentram centenas de empresas de tecnologia de todos os portes — a mais célebre delas é o Google, que tem sua sede no Vale.
Desde outubro, a cidade também abriga o primeiro escritório da fabricante de softwares de gestão Totvs no Vale do Silício. Numa de suas visitas mais recentes, Dinkelmann acompanhou um negócio inédito para a companhia, fundada nos anos 80 na capital paulista.
Em junho, a Totvs investiu 16 milhões de dólares na compra de uma participação minoritária em uma empresa estrangeira — a americana GoodData, startup que oferece serviços de big data, como são chamados os soft­wares capazes de analisar um grande volume de dados em tempo real.
Foram seis meses de negociação, em que Dinkelmann alternava o acompanhamento a distância com as viagens ao país. “Seria mais difícil saber de oportunidades como essa sem o escritório nos Estados Unidos”, diz ele.
A Totvs faz parte de um seleto grupo de empreendedores brasileiros que ingressaram recentemente no Vale do Silício, o maior centro de empreendedorismo do mundo. Estima-se que 2 000 novas empresas surjam ali todos os anos. Tanta efervescência se mostrou à prova até mesmo da crise.
Os investimentos dos fundos de capital de risco somaram 2,2 bilhões de dólares entre janeiro e março deste ano — 4,5% mais em relação ao mesmo período de 2012. Para os empreendedores brasileiros que se aventuraram a entrar nesse mercado, a recompensa é o acesso a um celeiro de cérebros, de pequenas empresas que podem ser compradas, de fornecedores especializados e investidores do mundo inteiro.
“É necessário um bom plano de execução para sobressair entre os grandes”, diz o paulista Robert Janssen, presidente da aceleradora Outsource Brazil e especialista em empreendedorismo.
Uma preparação cuidadosa é pré-requisito para ingressar no Vale do Silício. Em geral, as empresas brasileiras que se instalaram ali ensaiaram cuidadosamente os primeiros passos.
Para a Totvs, as etapas preliminares começaram em 2010, quando a companhia firmou uma parceria com a Universidade Stanford, de onde já saíram milhares de empreendedores desde a época de Bill Hewlett e David Packard, que fundaram a HP em 1939. Durante aproximadamente um ano, uma equipe mista de profissionais da Totvs e alunos de Stanford prepararam um plano de atuação da empresa nos Estados Unidos.
O time fez um raio X do mercado de tecnologia americano e mapeou as áreas em que há menos concorrência e, portanto, mais oportunidades para a Totvs. Entre elas está a área de segurança da informação dentro das empresas.
Em novembro, a companhia inaugurou o próprio laboratório no Vale do Silício, o Totvs Lab, no qual trabalham atualmente 15 profissionais, entre cientistas e engenheiros, vindos de sete países. O primeiro produto é um sistema de segurança que protege o acesso à informação da área financeira ou a outros dados sigilosos das empresas. 
Mesmo com uma preparação detalhada, por vezes é preciso adaptar os planos. Foi o caso do paulista Fabrício Bloisi, que em 2001 fundou a Movile, empresa de comércio e conteúdo para celular.
Depois de estudar o mercado americano por dois anos, a empresa se estabeleceu na Califórnia em agosto de 2012 com a pretensão de oferecer os 13 produtos já presentes desde 2008 em cinco países da América Latina, como Argentina e México.
Após conversas com investidores e consultores locais, Bloisi concluiu que seria melhor escolher um único produto, que deverá ser lançado no mercado americano no fim deste ano. Mais do que uma base para expandir as vendas, o escritório nos Estados Unidos deverá ter a função de apontar caminhos futuros.
A empresa mantém hoje seis funcionários numa sala no mesmo prédio de escritórios em que a dupla Larry Page e Sergey Brin iniciaram o Google nos anos 90. Eles têm a missão de criar produtos e analisar a compra de startups. “Os produtos lançados hoje em todo o mundo foram discutidos nos cafés do Vale do Silício em 2011”, diz Bloisi. 
Além de se aproximar das tendências, abrir um escritório local serviu para atrair cérebros. No fim de 2012, a Movile contratou um funcionário da Apple. O ilustrador paranaense Everaldo Coelho deixou a firma fundada por Steve Jobs, na qual trabalhou por dois anos, e aceitou a proposta de gerir o polo de inovação da Movile em Campinas, no interior de São Paulo.
Bloisi e Coelho se conheceram informalmente numa palestra anos atrás e mantiveram contato. “Hoje há empresas brasileiras tão sofisticadas quanto qualquer concorrente do Vale do Silício”, afirma Coelho.
Os empreendedores brasileiros que se instalaram no Vale do Silício encontraram dificuldades diferentes das que enfrentam por aqui. A Predicta, empresa paulista de marketing digital, que possui uma participação minoritária do grupo gaúcho RBS, não esbarrou em muita burocracia ao chegar ao Vale do Silício em outubro do ano passado.
Em 15 dias, providenciou a papelada necessária para abrir a filial e em menos de um mês conseguiu uma sala para começar a operar. Mas nem tudo foi fácil.
Levou nove meses até que a empresa conseguisse contratar um executivo local com a missão de lidar com fornecedores americanos, em especial com empresas que têm servidores capazes de hospedar os dados do principal produto da Predicta, o SiteApps, espécie de portal de serviços digitais na nuvem para empresas pequenas e médias.
A Predicta já tem quase 60 000 clientes em mais de 100 países. Em junho, ela recrutou um funcionário americano com 17 anos de experiência em startups de tecnologia, que ficará responsável pelo desenvolvimento de negócios. A remuneração desse tipo de profissional não sai por menos de 250 000 dólares por ano, sem contar bonificações.
“Tudo é muito caro no Vale do Silício e não há ninguém desempregado”, afirma o paulista Marcelo Marzola, fundador da Predicta, que hoje se divide entre a sede da empresa, em São Paulo, e viagens a cada dois meses aos Estados Unidos. “Mas é necessário ter um americano cuidando de seus assuntos, porque entender a cultura local é fundamental para chegarmos aos contatos certos.”
O esforço valeu. Marzola conseguiu acelerar a agenda de encontros — desde outubro, ele já se reuniu com 200 fornecedores locais. Entre eles está uma empresa com sede na Bulgária, um dos mercados-alvo da Predicta. “Entrar no Vale do Silício significa trabalhar junto às principais empresas de tecnologia do mundo”, diz Marzola. “Para ser realmente global, é preciso, antes, estar lá.”

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